Dom Redovino: 'Meu encontro com Dom Alberto'


Era desde o dia 22 de fevereiro que a Diocese de Dourados acompanhava com trepidação a grave doença que acometera o bispo emérito, Dom Alberto Först. Naquele dia, ele deixara a Casa de Repouso onde se encontrava na Alemanha, desde o mês de fevereiro de 2009, quando se despedira do Brasil, e fora levado às pressas para a UTI de um grande hospital das redondezas, dirigido pela Ordem Franciscana.

O câncer e a pneumonia que o atingiram eram tão agudos e malignos, que a notícia que correu célere em toda a parte, dizia: “Dom Alberto está no fim de sua vida”! Em vista disso, após consultar os padres e amigos mais próximos, tomei a decisão de esperar pelo desenlace, que parecia imediato, e participar dos funerais, juntamente com outros padres da Diocese.

Mas, graças a Deus, não foi o que aconteceu. Depois de um mês e meio em estado quase constante de coma induzido, Dom Alberto deu claros sinais de recuperação. Foi assim que no dia 12 de abril, quando eu completava 72 anos, parti para a Alemanha, em companhia do Vigário Geral, Pe. Alberto Wiese. Foi a primeira vez que passei o meu aniversário num avião...

A viagem foi extremamente curta: partimos de Dourados na terça-feira, dia 12, e regressamos no sábado, dia 15. Mas, ao mesmo tempo, muito importante e proveitosa. Por duas vezes nos foi possível encontrar Dom Alberto. Em ambas, estava consciente e atento a tudo o que lhe dizíamos. Não conseguia falar, mas se comunicava com os olhos, as mãos e... as lágrimas!

De minha parte, procurei transmitir-lhe o que pudesse fazê-lo feliz nesses momentos tão importantes da vida, sobretudo o reconhecimento e a amizade dos padres e da multidão de amigos que havia deixado na Diocese de Dourados. Disse-lhe que, em todas as paróquias, o povo estava rezando por ele. Pedi-lhe que nos perdoasse se, alguma vez, o havíamos feito sofrer. Por fim, atendendo ao meu pedido, levantou a mão e abençoou a mim, ao Pe. Alberto e a todos os amigos que deixou em Dourados. Certamente, uma bênção muito valiosa, porque fruto do amor e da imolação de um pastor que entrega a vida por suas ovelhas...

Constatando o estado em que jazia Dom Alberto, foram inúmeras as perguntas que me surgiram do coração nas ocasiões em que me encontrava ao seu lado: o que resta, para ele, de tudo o que viveu ao longo dos 84 anos de vida? Somente o amor e o bem que motivaram suas atitudes. Tudo o resto passou e, nesse momento, parece insignificante! Ele está no hospital há dois meses, e vai ficar outros tantos, sozinho e distante dos amigos que granjeou e das obras que levou adiante.

Nessa altura dos acontecimentos, todos os sonhos e ideais de vida desaparecem. Sobram somente o doente e Deus: ninguém mais! A única coisa que ainda se tem é a existência nua e crua. Mas ela também, quando não se tem a fé em Deus e o amor dos irmãos, se transforma em inferno, pela dor que aumenta e pela esperança que desmorona. Quando se é jovem, ainda há tempo e condições para sonhar e planejar. Mas, com o passar dos anos, os sofrimentos causados pelos desencantos acabam gerando desilusões sem conta. É então que se compreende o que São Paulo escreveu: «A nossa tribulação momentânea é leve se comparada ao volume extraordinário e eterno da glória que ela nos prepara. Isso acontece quando procuramos não as coisas visíveis, mas as invisíveis. Pois, o que é visível é passageiro, e o que é invisível é eterno» (2Cor 4,17-18).

Em seu livro “Em busca do sentido”, Viktor Frankl escreve: «Na pior situação exterior que se possa imaginar, numa situação em que a pessoa não pode realizar-se através de alguma conquista, numa situação em que sua conquista pode consistir unicamente num sofrimento reto, num sofrimento de cabeça erguida, nesta situação a pessoa pode realizar-se na contemplação amorosa da imagem espiritual que ela porta dentro de si da pessoa amada. Pela primeira vez na vida entendo o que quer dizer: os anjos são bem-aventurados na perpétua contemplação, em amor, de uma glória infinita».

Para Dom Alberto, as “coisas invisíveis” (de São Paulo) e a “imagem espiritual da pessoa amada” (de Viktor Frankl) têm seu fundamento na “palavra de vida” que ele escolheu por ocasião de sua ordenação episcopal: “Confiando em tua palavra, lançarei as redes!” (Lc 5,5).

Dom Redovino Rizzardo
Bispo da Diocese de Dourados


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