Entrevista: “Páscoa é tempo de conversão”, diz dom Redovino
O bispo Dom Redovino Rizzardo aborda o real significado desta Semana Santa e da Páscoa. Dom Redovino também faz uma análise sobre o catolicismo em Dourados.
Do Dourados Agora
O que a Semana Santa tem de diferente das outras?
Dom Redovino - A Semana Santa lembra o centro da nossa fé, da nossa religião. O motivo pelo qual, Jesus veio aqui na terra, se encarnou, morou aqui na terra que é trazer essa semente de esperança, essa renovação e causou através da morte e, sobretudo na ressurreição. Então nós lembramos na Semana Santa os acontecimentos principais da nossa fé que são: exatamente a instituição da Eucaristia, onde os evangélicos costumam chamar de Santa Ceia. Lembramos a morte de Jesus na Sexta-feira Santa, lembramos a ressurreição dele no Domingo da Páscoa, então para nós tem um sentido fundamental para a nossa fé porque representa claramente essa guinada que Deus operou na caminhada da humanidade através da Páscoa, da morte e ressurreição de Jesus.
Qual a reflexão mais importante para os católicos nesta semana?
R: Eu diria que cada ano a Páscoa deposita em nossos corações uma semente de renovação, de esperança. A sexta-feira dá a impressão que o mal venceu o bem, e o mal faz mais barulho do que o bem, na sexta-feira Jesus morre, vítima da injustiça, dos males que havia naquela época e existem até hoje no mundo. Porém a última palavra pertence sempre à ressurreição, a Páscoa, a Jesus ressuscitado, então eu diria aos cristãos e aos católicos, que unamos nossas forças, para que a ressurreição, a Páscoa de Jesus aconteça não apenas dentro dos templos, mas em toda à parte, por exemplo, melhorando a saúde pública, indo ao encontro do desempregado, das necessidades dos índios, de todas as pessoas que precisam de uma mão amiga. Então Páscoa representa solidariedade, fraternidade, vida nova.
Em tempos de tanta violência a Semana Santa inspira exemplos a serem seguidos?
R: Sem dúvida quando nós olhamos a história da humanidade hoje talvez muitas pessoas se perguntam se valeu a pena se houve realmente esta mudança na história da humanidade operada pelo Evangelho pela encarnação de Jesus, pela morte, pela ressurreição de Jesus. Porque, muitos dos problemas daquela época de milhares de anos atrás continuam hoje talvez até com mais intensidade como a violência, a corrupção e tantos outros males que afligem dias após dias a maior parte da humanidade. Mas o que houve de especial na Sexta-feira Santa e no Domingo de Páscoa foi que Deus colocou no coração de cada pessoa, de todo fiel todo cristão, pessoas de boa vontade esta certeza, esta esperança. Se eu colaboro com a graça de Deus se eu digo o meu sim a Deus então existe uma esperança para humanidade não é que Deus venha solucionar os nossos problemas, mas Deus age através das pessoas que se deixam guiar exatamente por esta esperança por esta certeza de vitória colocada por Deus através da ressurreição de Jesus.
Até que ponto a penitencia é importante espiritualmente para os católicos?
R: Realmente a Igreja Católica insiste muito em toda Quaresma e não só na Semana Santa sobre a penitência. A origem desta palavra no grego significa conversão e a maior penitência que a Igreja Católica recomenda é a conversão, a conversão da mente, das atitudes, sobretudo uma conversão à solidariedade, da justiça, da solidariedade. Porque desde o Antigo Testamento, desde as primeiras páginas da Bíblia nos mostram que naquela época através dos profetas Deus dizia que o melhor jejum não era tanto se privar a alimentação, mas a atitude de perdoar, acolher os necessitados. E é por isso, no meu modo de ver que a Igreja Católica pelo menos aqui no Brasil, de 40 anos pra cá ela instituiu a Campanha da Fraternidade para nos ajudar a entender que é exatamente através da fraternidade e da solidariedade que nós realizamos a penitência a Quaresma.
Através das Campanhas da Fraternidade a Igreja está conseguindo conscientizar a sociedade de que o dinheiro não está acima de tudo?
R: De uns 20 anos pra cá, como todo mundo sabe a Campanha da Fraternidade vai ao encontro de situações concretas. Nos primeiros anos da campanha no início dos anos 70 ela era mais direcionada a temas religiosos em seguida passou para temas sociais, que em voltem toda a sociedade, aos presos, aos índios aos anciãos, e deste ano à economia, ao dinheiro, o que tem a ver a religião com o dinheiro? Se nós entendermos como religião à oração o meu relacionamento com Deus, algo próprio do meu coração dá a impressão que a Igreja desta vez ultrapassou as fronteiras da sua fé porque ela deveria ficar dentro do templo e saiu dele. Mas todo mundo entende que a religião sempre deve ter uma influência grande na mudança das estruturas das pessoas. Então neste sentido que neste ano a Igreja quer nos ajudar a entender que a fé deve renovar em torno da economia, não mais vendo a economia apenas como meio de enriquecer entidades, países, ou pessoas, mas, sobretudo que seja uma economia colocada a serviço do bem comum. Claro que a Igreja não tem um poder extraordinário para ajudar as pessoas a fazer isso, a Igreja apenas conscientiza, forma corações, mas a gente tem aquele princípio de antigamente que diz que água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Então o pouco que a Igreja pode fazer pedindo aos católicos, aos cristãos que sejam os primeiros a criarem um novo tipo de economia, uma economia da comunhão, de modo que falamos em comunhão em solidariedade que ela não seja apenas em palavras ou sentimentalismo. Mas que seja uma economia que englobe também o aspecto do progresso, do desenvolvimento, isto é o dinheiro os bens materiais como um grande meio criado por Deus a serviço da sociedade, do bem estar de todos os cidadãos.
Com o surgimento de novas religiões, a Igreja Católica tem perdido grande número de fiéis ultimamente. Como é este quadro em Dourados?
R: Como em todo mundo a Igreja Católica está passando por uma crise. Antigamente, por exemplo, quando eu nasci, bastava nascer para ser católico, 90% do povo se dizia católico, claro, talvez era um catolicismo mais de tradição do que por opção. Hoje em dia eu percebo que ninguém mais ou pouca gente entra numa religião por tradição, cada um escolhe, existe um pluralismo cultural que também atinge a religião. Na mesma família nós podemos encontrar um membro católico, digamos o pai ou a mãe que é evangélica, espírita ou alguém sem religião. Percebemos que a religião é fruto de uma opção. Também, aqui em Dourados, a Igreja Católica está passando pela mesma crise das demais Dioceses do Brasil ou do mundo inteiro. Eu lia há poucos dias que na França onde quase não se batiza mais crianças porque os pais deixam que os filhos mais tarde optem. Haverá nesta semana mais de três mil franceses adultos que vão se batizar na Igreja Católica, então está havendo uma volta, mas uma volta consciente, ao contrário das tradições de antes. Então em Dourados eu me sinto plenamente à vontade porque vejo pessoas maravilhosas trabalhando muito pela Igreja trabalhando através dos movimentos eclesiásticos através das Pastorais, mas ao mesmo tempo eu vejo um grande número de católicos optando por outras Igrejas que crescem bastante em nossa cidade. E quase a metade destas pessoas que passam por estas Igrejas evangélicas nasceram católicas, mas talvez um catolicismo sem opção. Ao passo que agora a maioria que faz esta passagem faz por uma escolha pessoal tomara que todas as Igrejas ou religiões pelo menos as ligadas ao Cristianismo preguem o verdadeiro Cristianismo. Porque às vezes me dá a impressão que hoje em dia a própria religião acabou avacalhando bastante em alguns ambientes fundam-se religiões quase que diariamente em todo Brasil. De um lado demonstrando a fome de Deus, da espiritualidade, mas de outro talvez existe o período da religião se tornar como dizia Jesus no Evangelho uma casa de comércio.
Os sucessivos escândalos envolvendo padres acusados de crimes de pedofilia de que forma tem atingido a Igreja?
R: Realmente de uns quatro ou cinco anos pra cá a Igreja Católica está enfrentando esta grande crise. A Igreja Católica é constituída de pessoa humana e cada pessoa humana tem o lado positivo, ou seja, o desejo de fazer o bem e tem também a fraqueza humana. O próprio Jesus entre os 12 apóstolos, nem todos, por exemplo, Judas, perseverou, então dentro da Igreja Católica desde o começo houve dificuldades, que diminuíram esta presença de Deus no meio do povo. Ultimamente de uns cinco anos pra cá, começou a ser divulgado este lado negativo de muitas pessoas da Igreja, digo pessoas da Igreja no sentido de padres. Eu vejo ultimamente que toda esta crise de um lado pode prejudicar, porque muita gente pode dizer se a própria Igreja, ela que nos prega o Evangelho não é capaz de viver imaginem então o que iremos fazer. Mas por outro lado esta crise obriga os bispos, aos padres a tomarmos consciências, a não brincarmos com coisa séria, a sermos mais autênticos porque não podemos iludir a esperança que o povo deposita em nós. Na Alemanha, por exemplo, as acusações que apareceram contra o clero representam apenas 0,2% de todas as demais acusações que se fazem, por exemplo, contra médicos, professores, advogados e pais de família. Esta crise em que a sexualidade não existe mais a serviço do amor, da família, mas para o prazer em si mesmo tudo isso está gerando na sociedade, sobretudo nos padres, frutos da sociedade, uma perda dos valores tradicionais cristãos. Esta crise poderá servir para que os padres, nós bispos, sejamos mais corretos e autênticos e também para os jovens, futuros padres que eles façam uma opção pelo Evangelho, por Deus para melhor servir ao povo. Eu vejo que a crise existe, grande em toda parte e até às vezes com uma certa má vontade de querer incriminar unicamente a Igreja quando nós temos casos de pedofilia no mundo inteiro. Do outro lado, porém não podemos apagar aquilo que é verdade, devemos olhar com humildade, com seriedade para esta realidade e tomar as devidas providencias.
O senhor acha que uma vez comprovado algum envolvimento de padre neste tipo de crime ele merece o perdão e continuar na Igreja?
R: Primeiramente quando alguém comete este crime de pedofilia automaticamente ele incorre as leis civis. A gente não pode agir com corporativismo porque se trata de padre, tentar manter uma boa imagem apenas, se a pessoa cometeu este crime nós devemos lembrar das vítimas, das crianças. Então a Justiça exige que se repare o dano cometido, como Igreja depois que a lei civil faz a parte dela, a Igreja deve olhar caso a caso. Um jornal dos Estados Unidos, por exemplo, apelou para o Papa quando ele era prefeito da Congregação para a doutrina da fé. Em 96 um padre tinha caído neste crime dos anos 50 aos anos 70 e quando a carta chegou ao Vaticano este padre estava no fim da vida, morreu em 98. Naquele momento já tinha sido até arquivado o processo civil contra o padre nos Estados Unidos, de modo que naquele momento, o hoje, papa, achou por bem não partir para as penas canônicas já que o padre estava praticamente morto. A Igreja deve analisar caso a caso. Se existe arrependimento a Igreja pode dar uma nova chance evidentemente depois do que a lei civil vai fazer. Mas devemos sempre ter um grande cuidado, sobretudo na formação dos futuros padres não apenas na espiritualidade porque às vezes a pessoas caem neste tipo de pecado, de crime, exatamente por uma desestruturação interior psicológica. Nós devemos acompanhar com muito mais cuidado todas as pessoas que ingressam hoje no Seminário para serem padres.
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