Purgatório, o que fazer com ele?
Não é Deus quem chama uns para o céu e manda outros para o inferno, mas o amor ou o ódio em que cada um se encontra naquele momento.
É provável que poucas crianças que se familiarizam hoje com a catequese saibam o que são os “novíssimos”... Mas, “no meu tempo” – é a expressão usual de quem chega aos 60 ou 70 anos! –, todos os católicos aprendiam que eles representavam as realidades mais decisivas e importantes da vida: a morte, o juízo, o inferno e o paraíso. O termo inusitado era fruto de uma tradução ambígua de um versículo bíblico: «Em todas as tuas obras, lembra-te dos novíssimos (ao invés de “do teu fim”) e jamais pecarás» (Eclo 7,40).
Alguns catecismos da época incluíam na lista também o purgatório, que é assim explicado pelo “Catecismo da Igreja Católica”: «Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após a sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do céu. A Igreja denomina “purgatório” essa purificação final dos eleitos».
Antigas pinturas de igrejas medievais apresentavam o purgatório como uma fornalha. Por entre as chamas, circulavam pessoas, em atitudes de arrependimento e oração. Tinham os olhos voltados para o alto, onde Nossa Senhora, os Santos e os Anjos lhes estendiam as mãos para libertá-las e levá-las ao céu – o que só acontecia depois de uma adequada purificação, que podia demorar dias, meses ou anos. Uma purificação que era “abreviada” pelas indulgências e pela oração dos parentes e amigos. Mas, o que há de verdade nisso tudo? Existe realmente o purgatório? E, se existe, em que consiste?
No dia 12 de janeiro de 2011, durante a catequese que costuma fazer aos fiéis todas as quartas-feiras, Bento XVI abordou o tema, servindo-se da doutrina de Catarina de Gênova, uma santa italiana do século XVI. Antes de tudo, para ela, para o papa e para a Igreja Católica, o purgatório não é um “lugar” – ou um “tempo” – em que, depois da morte, as almas se purificam a fim de poderem se encontrar face a face com Deus.
Se se quiser falar de fogo, ele só pode ser espiritual, uma luz que inunda o ser no momento da morte, queimando tudo o que, durante a vida terrena, foi realizado fora da vontade de Deus, sem ter sido ainda sanado pela caridade, a única capaz de «apagar uma multidão de pecados» (1Pd 4,8).
O céu e o inferno eternizam a situação em que alguém se encontra no desenlace final. Não é Deus quem chama uns para o céu e manda outros para o inferno, mas o amor ou o ódio em que cada um se encontra naquele momento. «No entardecer de nossa vida, seremos julgados sobre o amor», afirmava São João da Cruz. Mas já que não é fácil agir impulsionados sempre pelo amor, o purgatório é a última chance oferecida por Deus para que se recupere o tempo perdido.
Foi essa a experiência vivenciada por Santa Catarina de Gênova ao deixar uma vida de pecado. No momento de sua conversão – diz o Papa – «Catarina percebe a bondade de Deus, a distância infinita que a separa dessa bondade e, em seu interior, um fogo abrasador. Este é o fogo que se assemelha ao purgatório. Para Catarina, a alma toma consciência do imenso amor e da perfeita justiça de Deus e sofre por não ter correspondido correta e perfeitamente. Seu amor a Deus se transforma numa chama que a purifica das escórias do pecado».
Bento XVI concluiu a sua catequese semanal lembrando que «a santa nos fala de uma verdade fundamental da fé, que é também um convite a rezar pelos defuntos, para que possam chegar à visão beatífica de Deus, na comunhão dos santos».
É o que pede também o “Catecismo da Igreja Católica”: «A prática da oração pelos defuntos se apoia na Sagrada Escritura: “Judas Macabeu mandou oferecer sacrifícios expiatórios pelos soldados que haviam morrido na batalha, para que fossem perdoados de seu pecado” (2Mc 12,46). Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória dos defuntos e ofereceu sufrágios em seu favor, em especial o sacrifício eucarístico, a fim de que, purificados, eles possam chegar à visão beatífica».
Foi o que entendeu Santa Mônica ao se dirigir a seus filhos, instantes antes de morrer: «Enterrem este corpo onde quiserem! Não se preocupem por ele! O que somente lhes peço é que se lembrem de mim no altar do Senhor, onde quer que estejam!».
Dom Redovino Rizzardo, cs
Bispo da Diocese de Dourados
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