Reflexões à margem do tempo...


Da Diocese de Dourados
Dom Redovino Rizzardo,sc, Bispo da Diocese de Dourados Dom Redovino Rizzardo,sc, Bispo da Diocese de Dourados

Talvez não sejam muitos os estudantes atuais de filosofia que lembrem quem foi Heráclito de Éfeso. Sua existência abrange o período que vai do ano 540 a 470 antes de Cristo. Seu nome é lembrado por uma sentença que o imortalizou: “Panta rei”, ou seja, traduzida do grego, “tudo corre, tudo flui, tudo passa”. Para ele, o homem e a natureza estão em constante movimento e mudança. Explicava seu pensamento com esta comparação: «Não nos banhamos duas vezes no mesmo rio», já que nem o rio nem quem nele se banha são os mesmos em dois momentos diferentes da trajetória da vida e do tempo.

Lembrei-me de Heráclito quando percebi que estamos às portas de mais um final e início de ano. Na verdade, o tempo corre veloz. São inúmeras as pessoas que, na tentativa de segurá-lo e pará-lo, se agarram a tábuas de salvação que não passam de miragens. Julgam que serão salvas e imortalizadas pelas coisas que possuem ou pelas obras que realizam. Era o que pensava o poeta romano Horácio, que se consolava diante da morte repetindo para si e para quem o cercava: «Não morrerei de todo, pois, com minhas poesias, construí um monumento mais duradouro que o bronze».

Significativas, para não dizer desesperadoras, são também as palavras de Cazuza, um dos ícones da música brasileira na década de 1980, ante a fugacidade – e, a seu parecer, a inutilidade – da vida: «Minha metralhadora está cheia de mágoas. Eu sou um cara cansado de correr na direção contrária. A tua piscina está cheia de ratos. Tuas ideias não correspondem aos fatos. O tempo não para. Eu vejo o futuro repetir o passado. O tempo não para. Não para, não, não para».

Se todos têm o direito de se pronunciar sobre uma questão tão importante, a Bíblia não podia permanecer indiferente e alheia. Dentre as inúmeras passagens em que trata do tema, cito apenas duas. A primeira é do salmo 90: «Senhor, para vós, mil anos são como o dia de ontem que passou, uma vigília dentro da noite. Eles passam como o sono da manhã, são iguais à erva verde que cresce nos campos: de manhã ela floresce vicejante, mas, à tarde, é cortada e logo seca. A nossa vida pode durar setenta anos; os mais fortes talvez cheguem a oitenta. A maior parte deles, porém, é ilusão e sofrimento; passam depressa e nós desaparecemos com eles. Ensinai-nos, Senhor, a bem contar os nossos dias para que tenhamos a sabedoria do coração!» (Sl 90,4-6.10.12).

A segunda passagem é tirada do livro de Coélet, também conhecido como Eclesiastes: «Ilusão das ilusões, tudo é ilusão! Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol? Uma geração vai, uma geração chega, e a terra permanece sempre a mesma. O sol se levanta e o sol se põe, voltando depressa para o lugar de onde novamente se levantará. A juventude e os cabelos negros são fugazes. Lembra-te do teu Criador nos dias de tua mocidade, antes que venham os dias tristes e cheguem os anos em que dirás: “Não sinto mais prazer em nada!”, e antes que se escureçam o sol e a luz, a lua e as estrelas!» (Ecl 1,2-5.12,1-2).

À primeira vista, tudo isso poderia gerar um pessimismo intragável se não recebêssemos de Deus a sabedoria do coração, como pede o salmo 90 – graça que é concedida a todos os que se deixam guiar pelo amor. É o que atesta o maravilhoso segredo descoberto por Santa Teresa de Ávila: «Nada te perturbe, nada te espante! Tudo passa: só Deus não passa. A paciência tudo alcança. Quem tem a Deus, nada lhe falta. Só Deus basta».

Para São João, o apóstolo que mais entendeu o coração de Jesus, só não passa o que é feito de acordo com a vontade e o projeto de Deus: «Não amemos o mundo nem o que há nele. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Pois tudo o que há no mundo – os instintos carnais, os olhos insaciáveis e a arrogância do dinheiro – são coisas que não vêm do Pai, mas do mundo. E o mundo passa com seus apetites insaciáveis.Mas quem faz a vontade de Deus, permanece para sempre» (1Jo 2,15-17).

Lógica, portanto, a conclusão a que chega Chiara Lubich: «“Como o tempo passa depressa”, dizemos perplexos, verificando a velocidade dos dias. “Como o tempo permanece”, deveria dizer a minha alma se conseguisse que cada hora e cada instante fossem gastos em cumprir a vontade de Deus».

Dom Redovino Rizzardo, cs
Bispo Diocesano de Dourados


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(1) Comentário

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Olá dom redovino, Paz e Bem!

FELIZ 2011 CHEIO DE BENÇÃOS E PAZ AO SENHOR!!!

Como sempre, suas reflexões, como este texto são de muita valia e enriquecimento a todos que mesmo vendo o tempo passar rápido consegue parar, ler e refletir sobre suas sensatas idéias compartilhadas.

Abraço,
Ir.Narlete

 
Ir.Narlete em 01 de janeiro de 2011 às 09:26