Se não tiver amor, eu nada sou!


Dom Redovino Rizzardo, cs
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Dom Redovino Rizzardo
Bispo da Diocese de Dourados Dom Redovino Rizzardo
Bispo da Diocese de Dourados

Na última década do século passado, residi, durante alguns anos, na Itália. Entre os amigos que Deus me colocou ao lado, havia um religioso de nome André. Certo dia, para me ajudar a entender o que significa o amor na vida de uma pessoa, ele me contou um fato acontecido em sua família. Disse-me que, todas as vezes que voltava para casa para uma breve visita, encontrava sua irmã cabisbaixa e mal humorada. Nada parecia lhe agradar e satisfazer. Qualquer coisa era pretexto para reclamar e xingar. Certo dia, porém, tudo foi diferente. Chegando de improviso em sua residência, ele viu a moça feliz da vida, cantarolando e esbanjando sorrisos para todo o lado! Ela, que recusava sistematicamente qualquer serviço, por menor que fosse, perguntava a todos: «Em que posso ajudar?»

Sem nada entender, o padre se aproximou da mãe e perguntou em particular: «O que aconteceu com a irmã?» Com um sorriso maroto, a mãe respondeu laconicamente: «Simplesmente isto: ela encontrou um namorado!»

Lembrei-me desse fato ao preparar um artigo para o mês de junho, mês em que celebramos o dia dos namorados e a festa do Sagrado Coração de Jesus. Pura coincidência? Talvez, para quem entende o amor apenas como emoção e paixão, sentimentos que podem terminar com a mesma rapidez com que aparecem. Que o diga o número cada vez maior de pessoas que casam e descasam, porque constroem sobre a areia do amor-paixão ao invés de sobre a rocha do amor-doação, como pede Jesus.

A esse respeito, apesar do humor e da chacota que as revestem, são sintomáticas as palavras de Adão Iturrusgarai, em artigo publicado na “Folha de São Paulo”, no dia 15 de fevereiro de 2010: «Afinal, para que serve o casamento? Antigamente, as pessoas se casavam porque estavam desesperadas para fazer sexo com o seu par. Mas hoje, segundo sérios estudos, 99,63568% dos jovens perdem a virgindade antes do casamento. Os outros 0,36432% não quiseram dar depoimento. Concluímos, então, que o matrimônio perdeu todo o sentido. Se você pode ter inúmeros parceiros, por que vai escolher ter um só? O casamento é uma sociedade. Funciona como uma empresa. Tem um contrato, com assinaturas, rubricas, cláusulas, deveres, obrigações e carimbos de todas as cores. Quando essa empresa quebra, é muito provável que seu “sócio” vire seu arqui-inimigo. Lembre-se de que o casamento é que nem submarino. Pode até boiar, mas foi feito para afundar».

Em 2010, o dia dos namorados é celebrado logo após a festa do Sagrado Coração de Jesus, talvez para nos fazer entender que, como tudo na vida, também o casamento e a família precisam se alimentar do mesmo amor que arde no Coração de Deus. Apesar da fraqueza e do pecado que envolvem o ser humano, Deus lhe concede a capacidade de amar. É o que lembra o apóstolo Paulo aos cristãos de Roma: «O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito» (Rm 5,5).

Assim, ninguém mais pode se eximir e desculpar, escondendo-se atrás de seus medos e frustrações: todos recebemos a capacidade de amar, ou seja, de nos realizar em qualquer vocação ou tarefa que assumirmos, por mais difícil que possa parecer. Mas, em que consiste o amor? Na mesma carta, São Paulo apresenta a única resposta possível e verdadeira: «Quando éramos ainda fracos, Cristo morreu pelos ímpios. Dificilmente se encontra alguém disposto a morrer em favor de um justo; talvez haja alguém que tenha coragem de morrer por um homem de bem. Mas Deus demonstra o seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando éramos ainda pecadores» (Rm 5,6-8).

Foi também o que disse Jesus poucos instantes antes de instituir a Eucaristia e tornar-se definitivamente o “Deus-conosco”: «Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida pelos amigos» (Jo 15,13). “Pelos amigos”, sobretudo quando se sentem pequenos, pobres e pecadores, sempre necessitados de conversão, como atesta o trecho do Evangelho de Lucas lido na festa do Sagrado Coração de Jesus: «Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa e nove no deserto e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la? Quando a encontra, coloca-a nos ombros com alegria e, chegando em casa, reúne os amigos e vizinhos e diz: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha perdida!” Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão» (Lc 15,3-7).

Celebrar o dia dos namorados e a festa do Coração de Jesus, portanto, é fazer do amor a única razão de nossa vida. «Se não tiver amor, eu nada sou», adverte São Paulo. Mas, para não confundir as coisas em assunto tão importante, ele logo acrescenta: «O amor é paciente e prestativo. Não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará» (1Cor 13,2.4-8).