'Jesus, o malígno e nós'
Do padrezezinhoscj.com
“Já somos de Jesus. O Senhor já nos converteu. Seus anjos nos acompanham e pairam sobre nós. Não estamos mais entre os pecadores com risco de perderem a alma. Não temos mais nada a ver como mundo lá fora. Jesus nos enviou para salvá-lo. Somos contados entre seus santos vivos porque aceitamos Jesus e abraçamos a vida plena no Espírito. Nós o vivemos 24 horas por dia. Agora cabe a nós perseverar.
Por isso o inimigo nos odeia! E é aí que entra o diabo. Ele quer nos arrancar do colo de Deus porque, se pertencíamos, deixamos de pertencer a ele. E o faz tornando-nos tíbios. Vai nos esfriando, cozinhando-nos em fogo brando e levando ao relaxamento. O mundo está dominado pelo maligno. Menos nós. Somos dos poucos que escaparam ao seu controle.”
Pode-se ignorar o demônio e nunca falar sobre este tema. Pode-se exagerar falando demais sobre o inimigo de Deus e do homem de tal maneira que ele acaba se tornando personagem de destaque no show da fé. Gravei o que ouvia e fui comparar com os livros de teologia e história das religiões.
Absolutamente convicto do que dizia, o pregador passou aos seus ouvintes a sua doutrina sobre Jesus, anjos, demônios e sobre poderes e dominações. Ensinou que o mundo está dominado pelo maligno, mas o grupo que o ouve e ora e canta com ele, não! Não estão se convertendo, Já se converteram.
O que ele disse pode ser encontrado nos escritos apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia. O acento nos milagres, na cura imediata após a dose certa de orações, nos anjos, nos demônios e nos poderes que nos impedem de ser santos pode ser encontrado, da forma como o pregador falou, em livros como o Livro dos Segredos de Enoque, A Caverna dos Tesouros, a Descida de Cristo aos Infernos, e outros escritos de autores místicos, facilmente encontráveis em algumas livrarias especializadas em textos exotéricos.
Eles ou elas relatam do seu jeito a luta entre o poder do bem contra o mal. Jesus lhes fala, Nossa Senhora lhes dá recados diários e eles conhecem os truques e as estratégias do inimigo. Está tudo lá em livros e CDs a ensinar sobre as técnicas de combate espiritual, já que somos guerreiros da paz e do bem! Pregam um mundo e uma fé dicotômicos; oito ou oitenta, tudo ou nada. Na pintura que tecem do mundo não há nuances, nem tons suaves. E dizem que Jesus também fez o mesmo discurso: ou contra ou a favor! Esqueceram de ler as outras passagens da Bíblia que propõem critérios, escolhas, acolhimento, diálogo e propõe que aprendamos a ler os acontecimentos como eles são e não como achamos que eles devem ser.
Pouco a pouco, não sendo contestados, pregadores que exercem alguma influência sobre multidões passam aos seguidores sua visão de graça, pecado, culpa, perdão, poderes e combates celestiais. Se não leram aqueles livros, aprenderam de alguém em algum lugar. O modo como falam e com os acentos que usam não está nos evangelhos nem nas epístolas. Pregações como a de Montano, Prisca e Priscila se repetem hoje nas mais diversas igrejas. A verdade está com eles, são eles os santos dos últimos dias, o Espírito Santo agora fala pela boca e pela vida deles, porque os outros não souberam ser fiéis e satanás os derrubou... Por conseguinte, quem quiser conhecer e viver a verdade precisa passar por aquela igreja ou por aqueles templos.
Não tem sido este o discurso da Igreja Católica de hoje. Se o fez no passado, hoje ela não acentua demais o poder do demônio, não faz esta dicotomia e os papas e bispos raramente usam esta linguagem. Está mais na boca de alguns sacerdotes e leigos. Também entre os evangélicos é preciso ver que igreja e que pregador faz uso desta linguagem.
Da próxima vez que você ver ou vir alguém a falar do demônio da dengue, da febre, da diarréia, da unha encravada, e a, dramaticamente, dizer que o demônio desligou seu telefone, seu relógio, a luz do estádio e que só Jesus pode devolver a saúde, a luz ou a normalidade, questione-o. Esta linguagem não está na Bíblia. Se está em alguma diminuta passagem, os pregadores que combatem demônios a potencializaram ao extremo. E, se vir algum deles na televisão entrevistando, de microfone em punho, um demônio que se apossou de algum fiel, outra vez questione. Nunca vi nenhum deles entrevistar um anjo ou um santo. Ou será que só o demônio fala e se dá a conhecer?
Questione esta pregação mágica de poderes. Todo poder foi dado a Jesus (Mt 28,18), mas não está escrito que tudo o que achamos que seja poder é poder. E nem todos os pregadores que dizem possuí-lo o receberam. Também os mágicos fazem coisas impressionantes diante da platéia que não percebe seus truques: aplaude apenas o resultado. Quando a fé envereda por este caminho é hora de questionar.
Dizem as igrejas que Deus existe, Jesus é o Senhor, anjos e demônios existem, o pecado existe e a graça existe. Mas nem todas elas garantem que é tudo assim tão simples como alguns pregadores andam fazendo. Discernimento continua a ser virtude altamente desejável nas igrejas. Permanece sensato o aviso de Jesus em Mateus 24,24-27. O leitor abra sua Bíblia e descubra porque Jesus mandou duvidar desse tipo de pregador que garante saber tudo sobre o Cristo!
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