Ideologia: eu preciso de uma para viver?
"Ideologia é o sistema de ideias que não quer representar a verdade"
Da Canção Nova
Entrevista com padre Paulo Ricardo, sacerdote da Arquidiocese de Cuiabá (MT), escritor e pregador, para falar sobre as ideologias dominantes e as consequências trazidas por elas para a fé e o mundo.
No áudio abaixo você confere, na íntegra, este depoimento:
cancaonova.com: O que significa ideologia e como ela nasce?
Padre Paulo: A palavra "ideologia" surgiu de um grande ideólogo: Karl Marx. Antes não usavam muito essa palavra, pois as pessoas tinham correntes de ideias, escolas filosóficas, e foi Marx que, pela primeira vez, cunhou esta expressão.
Ideologia é o sistema de ideias que não quer representar a verdade, antes quer enganar as pessoas num emaranhado de argumentações falsas, de sofismas, de mentiras e que quer conduzi-las a uma alienação, ou seja, conduzir as pessoas para longe da verdade.
Marx usava a palavra "ideologia" contra tudo aquilo que ia contra o comunismo e o socialismo, ou seja, era a ideologia capitalista, a ideologia dos alemães, a ideologia do Cristianismo, então essa palavra [ideologia] já é na sua origem pejorativa.
Por exemplo, você nunca pode chegar a uma pessoa e perguntar "Qual é a sua ideologia?" porque é o mesmo de dizer: "você é um enganador". No entanto, nós vemos que as ideologias existem, e o próprio comunismo e o socialismo de Karl Marx eram ideologias. Ele não achava que fossem, mas eram uma ideologia, porque eram muito alheios à verdade.
Por que eu digo que o marxismo é uma ideologia? Porque o próprio Marx não acreditava na verdade. É interessante nós compreendermos isso com relação aos marxistas e aos socialistas com os quais nós convivemos no dia a dia, pois eles não creem que o ser humano possa ter acesso à verdade, ou seja, eles acreditam que o ser humano cria um sistema de ideias para defender os seus próprios interesses.
Por essa razão, para o marxista, o proletário defende seus interesses de classe e por isso deveria ter uma ideologia proletária; o capitalista defende seu interesse de classe e por isso tem a sua ideologia capitalista. Assim com os vários interesses de classe existem os conflitos ideológicos. O que Marx propõe? Ele gostaria que os trabalhadores tivessem uma ideologia coerente com os interesses de classe deles – e isso foi uma questão que os próprios marxistas tiveram de enfrentar como um problema teórico no século XX: que é o fato de a classe trabalhadora ter tido de "engolir" uma ideologia contrária a seus interesses de classe.
E quem envenenou os trabalhadores segundo os marxistas? A civilização ocidental, ou seja, o Cristianismo, enquanto tal. Por isso estes [os marxistas socialistas] são tão contrários ao Cristianismo tradicional. Eles até o [Cristianismo] "aceitam", mas desde que ele seja ideologizado conforme os interesses da revolução deles. O "cristianismo ideologizado" eles aceitam, que é a Teologia da Libertação, mas Cristianismo clássico, o qual nós temos há dois mil anos de história. Este eles nunca vão aceitar porque "aliena" o proletariado, os trabalhadores, na concepção deles.
cancaonova.com: Que consequências nós colhemos desta mistura de fé e ideologia que vivemos durante um bom tempo na América Latina?
Padre Paulo: A ideologia socialista fez algo interessante dentro da Igreja. Eles pegaram a linguagem tradicional cristã e esvaziaram as palavras do seu significado originário colocando um significado ideológico; por exemplo, quando eles dizem "o povo". O que quer dizer o "povo"? Quem é para nós o povo de Deus? São todos os batizados.
O povo é o Papa, o povo é o sacristão, o povo é o leigo, o povo é o pai de família, o povo é o bispo. Mas por repetição, eles foram esvaziando todos estes, que são o povo de Deus; para os ideólogos o povo de Deus é uma classe social, ou seja, os pobres. Para a maior parte das pessoas, na Igreja do Brasil, padre Paulo não faz parte do povo, o Papa também não é parte do povo. Quem é o povo? O povo é o pobre.
A "dona Josefa" lá da paróquia, que nunca teve uma aula de marxismo, que nunca pôs o pé num partido comunista, que nunca viu a foto de Karl Marx – porque se ela vir a foto daquele barbudo na parede ela vai pensar que é o Papai Noel – ela repete, como um papagaio treinado, essa coisa de "o povo", como se o padre, os bispos, a hierarquia da Igreja também não fizessem parte do povo de Deus. Essa ideologia foi introjetada no interior de Igreja pela Teologia da Libertação, que fez toda a análise marxista da realidade e a forma de ver a realidade a partir de uma luta de classes, de interesses econômicos, de ver em tudo uma ideologia.
Eles não conseguem ver nada que não tenha um interesse por trás. Na verdade, o que se discute é a luta pelo poder. Esse pessoal [marxista], que também está dentro da Igreja, não é a favor do povo, é que eles querem mandar mais do que os bispos, e conseguem muitas vezes. É uma luta de poder e eles fazem isso em "nome" do povo.
Você pode ver que essas pessoas mais ligadas à Teologia da Libertação, quando chegam ao poder, não existe democracia com eles não; eles falam de pluralismo, de aceitar o diferente, de não ser radical quando eles estão em minoria, mas quando chegam ao poder você tem que "dançar a música" deles, ou seja, você vai ser caluniado, perseguido e "frito" [se não fizer como eles mandam].