Anunciação do Senhor
Domingo, 25 de março de 2012
Neste dia, a Igreja festeja solenemente o anúncio da Encarnação do Filho de Deus. O tema central desta grande festa é o Verbo Divino que assume nossa natureza humana, sujeitando-se ao tempo e espaço.
Hoje é o dia em que a eternidade entra no tempo ou, como afirmou o Papa São Leão Magno: "A humildade foi assumida pela majestade; a fraqueza, pela força; a mortalidade, pela eternidade."
Com alegria contemplamos o mistério do Deus Todo-Poderoso, que na origem do mundo cria todas as coisas com sua Palavra, porém, desta vez escolhe depender da Palavra de um frágil ser humano, a Virgem Maria, para poder realizar a Encarnação do Filho Redentor:
"No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem e disse-lhe: ‘Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo.’ Não temas , Maria, conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Maria perguntou ao anjo: ‘Como se fará isso, pois não conheço homem?’ Respondeu-lhe o anjo:’ O Espírito Santo descerá sobre ti. Então disse Maria: ‘Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tu palavra’" (cf. Lc 1,26-38).
Sendo assim, hoje é o dia de proclamarmos: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1,14a). E fazermos memória do início oficial da Redenção de TODOS, devido à plenitude dos tempos. É o momento histórico, em que o SIM do Filho ao Pai precedeu o da Mãe: "Então eu disse: Eis que venho (porque é de mim que está escrito no rolo do livro), venho, ó Deus, para fazer a tua vontade" (Hb 10,7). Mas não suprimiu o necessário SIM humano da Virgem Santíssima.
Cumprindo desta maneira a profecia de Isaías: "Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Deus Conosco" (Is 7,14). Por isso rezemos com toda a Igreja:
"Ó Deus, quisestes que vosso Verbo se fizesse homem no seio da Virgem Maria; dai-nos participar da divindade do nosso Redentor, que proclamamos verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Por nosso Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo".
Leituras
Primeira Leitura Jr 31,31-34
Leitura do Profeta Jeremias
Eis que virão dias, diz o Senhor, em que concluirei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança; não como a aliança que fiz com seus pais, quando os tomei pela mão para retirá-los da terra do Egito, e que eles a violaram, mas eu fiz valer a força sobre eles, diz o Senhor. "Esta será a aliança que concluirei com a casa de Israel, depois desses dias, - diz o Senhor: - imprimirei minha lei em suas entranhas, e hei de inscrevê-la em seu coração; serei seu Deus e eles serão meu povo. Não será mais necessário ensinar seu próximo ou seu irmão, dizendo: 'Conhece o Senhor!' Todos me conhecerão do menor ao maior deles, diz o Senhor, pois perdoarei sua maldade e não mais lembrarei o seu pecado"
Salmo Sl 51(50)
Criai em mim um coração que seja puro, dai-me de novo um espírito decidido.
Tende piedade, ó meu Deus, misericórdia! Na imensidão de vosso amor, purificai-me! Lavai-me todo inteiro do pecado, e apagai completamente a minha culpa!
Criai em mim um coração que seja puro, dai-me de novo um espírito decidido. Ó Senhor, não me afasteis de vossa face, nem retireis de mim o vosso Santo Espírito!
Dai-me de novo a alegria de ser salvo e confirmai-me com espírito generoso! Ensinarei vosso caminho aos pecadores, e para vós se voltarão os transviados.
Evangelho Jo 12, 20-33
Naquele tempo, havia alguns gregos entre os que tinham subido a Jerusalém, para adorar durante a festa. Aproximaram-se de Filipe, que era de Betsaida da Galiléia, e disseram: "Senhor, gostaríamos de ver Jesus". Filipe combinou com André, e os dois foram falar com Jesus. Jesus respondeu-lhes: "Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conserva-la-á para a vida eterna. "Se alguém me quer seguir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará. Agora sinto-me angustiado. E que direi? 'Pai, livra-me desta hora?' Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!" Então veio uma voz do céu: "Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo!" A multidão, que aí estava e ouviu, dizia que tinha sido um trovão. Outros afirmavam: foi um anjo que falou com ele". Jesus respondeu e disse: "Essa voz que ouvistes não foi por causa de mim, mas por causa de vós. É agora o julgamento deste mundo. Agora o chefe deste mundo vai ser expulso, e eu quando for elevado da terra, atrairei todos a mim". Jesus falava assim para indicar de que morte iria morrer.
COMENTÁRIOS DO EVANGELHO
1. "MORRER PARA FRUTIFICAR"
(O comentário do Evangelho abaixo é feito pelo Diácono José da Cruz - Diácono da Paróquia Nossa Senhora Consolata – Votorantim – SP
Capitão Tininho era o nome de um grão de feijão, que certa ocasião usei como cobaia, na minha adolescência, para saber como era o desenvolvimento das plantas. Na minha fantasia, o Capitão Tininho retrucou, mas eu o convenci de que ele iria se tornar um herói, e poderia até quem sabe, reescrever a “Viagem ao Centro da Terra”, na visão de um grão de Feijão, e então ingenuamente ele aceitou. Ainda fantasiando, cavei um buraco, fiz um belo discurso para a “tropa” reunida ali, e aplaudimos o Capitão Tininho, que coloquei com carinho no buraco e jogamos a terra por cima. Todos os dias eu regava e revolvia a terra até que em uma manhã surgiu um brotinho quase invisível, fiquei eufórico, era como se estivesse nascendo um filho.
Quando finalmente o pezinho de feijão estava “espigadinho” inclusive com algumas folhas, reuni a “tropa”, na minha fantasia, e começamos aquilo que eu chamei de “Operação retorno”, mas cadê o coitado do Capitão Tininho? Examinei cuidadosamente a raiz do meu pé de feijão, e não tinha nem vestígio do meu herói, de noite comentei com um colega na aula de ciência, que sorriu e me explicou friamente que o Capitão Tininho tinha “esticado a canela”.
Não entendendo perguntei: “Você quer dizer que ele morreu?” E o colega esclareceu que se o Tininho não tivesse morrido, eu não teria o meu pé de feijão. Ainda na minha fantasia, no outro dia reuni a tropa e comuniquei oficialmente o ocorrido “Ele morreu como um herói, nessa missão perigosa” – disse em meu discurso, dando assim por encerrada a minha experiência, concluindo que no ciclo das plantas, senão houver morte, a vida não terá continuidade.
Por isso, no primeiro contato com esse evangelho, quando ministro da palavra, nos anos 80, comentei com meus botões “Eis aqui mais um Capitão Tininho”, referindo-me ao grão de trigo da parábola que Jesus contou em Jerusalém, praticamente às vésperas da sua paixão e morte. Qualquer criança em idade escolar, bem cedo irá aprender que a semente morre nas profundezas da terra, para poder brotar nova plantinha. Mas na dimensão teológica, como poderíamos interpretar esse ensinamento de Jesus, o que significa morrer, nesse sentido?
Eu diria que a morte de Jesus teve início com a sua encarnação, pois no paraíso, o homem sentiu-se tão importante que teve a pretensão de ser o Deus - Todo Poderoso, conhecedor do Bem e do Mal, e senhor de todos os seus atos, enquanto isso, para iniciar a obra da salvação, o Deus Todo Poderoso se fez tão pequeno, que se tornou homem. Essa pequenez de Jesus está diretamente ligada à sua missão – eu vim para servir.
Poderíamos até afirmar que pequeno, é todo aquele que serve, é aquele que sabe partilhar com os outros, aquilo que tem inclusive os carismas. Na teologia judaica, a glorificação divina estava reservada aos justos, que no pós-morte seriam levantados por Deus para nunca mais morrerem. Ora, todas as personalidades bíblicas do A.T são uma prefiguração de Jesus e em alguns gêneros literários, como os evangelhos, por exemplo, encontramos em Mateus uma relação mais direta de Jesus com Moisés. Com a Salvação, Jesus insere de novo o homem na plenitude original do paraíso, sendo esse o anúncio que ele faz aos discípulos no evangelho desse quinto domingo da quaresma, com a afirmativa própria de João de que “Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado”.
Quando o homem busca a santidade e a perfeição em todas as suas ações e pensamentos, manifestando fidelidade ao projeto de Deus, revelando o amor ágape em suas relações com o próximo a glorificação não é simplesmente um prêmio divino, por ele ter sido bom, mas é o resgate perfeito da imagem original de cada ser humano, enquanto imagem e semelhança de Deus, é a volta do Filho pródigo à casa do Pai, recuperando a dignidade perdida com o pecado. Esse processo aconteceu primeiro com Jesus de Nazaré, chamado nas cartas paulinas de primogênito de todas as criaturas e embora não tivesse nele nenhum pecado, ao receber a glória, também glorificou o Pai, que agora poderá olhar o homem realmente como Filho, e restabelecer com ele uma vida de comunhão, para comunicar a sua graça.
É este precisamente o caminho do cristão, não há nenhum outro, é o mesmo caminho de Jesus, o caminho do serviço, do amor ágape, da doação, da fidelidade ao Pai, do despojamento e do esvaziamento, e tudo isso significa “morrer” para si mesmo, ou deixar-se morrer para que o irmão seja bem servido e tenha mais vida. A comunidade é o lugar ideal para se viver a vocação do grão de trigo, morrer para atingir a plenitude, uma linguagem e um ensinamento estranho, para uma sociedade onde ainda prevalece, em todos os segmentos, a famosa Lei de Gerson...
2. Desejo de ver Jesus
(O comentário do Evangelho abaixo é feito por José Raimundo Oliva - e disponibilizado no Portal Paulinas)
Jesus, chegando a Jerusalém para a festa da Páscoa judaica, é aclamado pela multidão de peregrinos que acorrem à cidade para o cumprimento do preceito religioso de participação nesta festa. Entre estes peregrinos encontram-se gregos, os quais se dirigem a Filipe, manifestando o desejo de ver Jesus, o qual os atrai mais do que a própria festa.
Jesus, na ocasião de seu batismo por João, disse a André e ao outro discípulo que o acompanhava, quando lhe perguntavam onde morava: "Vem e vê" (Jo 1,39). Depois, o próprio Filipe, que já havia sido chamado por Jesus para segui-lo, convidou também Natanael para o encontro com Jesus, com a mesma expressão: "Vem e vê" (Jo 1,46). Agora são os gregos da região de Betsaida que se empenham em ver Jesus. "Ver" significa conhecer, ter a experiência da presença e do diálogo, em um tempo de convívio e comunicação com Jesus.
Filipe, diante do pedido dos gregos, vai dizê-lo a André. Filipe, bem como André e Pedro, era de Betsaida, cidade de cultura grega. Os próprios nomes de Filipe (Philippos) e André (Andréas) têm origem grega.
Quando Filipe e André falam com Jesus, ele lhes responde procurando remover qualquer equívoco. Está próximo o desenlace de seu ministério de amor e dom de si, sem temer perseguições, ameaças e morte. A sua glória não é o poder e o sucesso, mas o dom total de sua vida no amor, a ser assumido também pelos discípulos. O dom da própria vida é o ato fecundo que gera mais vida, tanto naquele que se doa como naqueles que são tocados por seu amor. A vida é fruto do amor e ela será tanto mais pujante quanto maior for a plenitude do amor, no dom total.
A metáfora do grão que se transforma exprime que o homem possui muito mais potencialidades do que aquelas que lhe são conhecidas. O grão que desaparece para dar lugar à planta e ao fruto é a conversão de vida. É libertar a vida de submissão e escravidão aos interesses dos chefes deste mundo e colocá-la a serviço de Jesus presente no nosso próximo. É alcançar a liberdade da vida eterna na prática do amor. Com o dom de si, novas e surpreendentes potencialidades se revelam.
A morte, sem ser um fim trágico, pode ser também o começo de uma vida nova, mais plena, já neste mundo. Morrer para os limites e valores impostos por uma cultura de consumo e opressão, para viver livre na comunhão de amor e vida com os irmãos, particularmente os mais necessitados. Isto é servir Jesus, e assim se manifesta a glória de Jesus e a glória do Pai.
Quem não teme a própria morte confunde o opressor poderoso, chefe deste mundo, e conquista a liberdade que tudo transforma pelo amor. Viver é dar a vida e tem-se a vida à medida que ela é dada.
3. A Glória de Jesus
(O comentário do Evangelho abaixo é feito pelo Pe. Jaldemir Vitório – Jesuíta, Doutor em Exegese Bíblica, Professor da FAJE – e disponibilizado no Portal Dom Total a cada mês).
Os Evangelhos são coletâneas de memórias de Jesus de Nazaré, elaboradas em meio às primeiras comunidades de discípulos, principalmente aquelas vinculadas a Jerusalém, oriundas do judaísmo. Estas memórias foram surgindo de acordo com as expectativas tradicionais do Primeiro Testamento, voltadas para o messias glorioso e poderoso. Após a morte de Jesus, este messias foi projetado no Cristo ressuscitado.
Em conseqüência, os Evangelhos, escritos algumas décadas após a morte de Jesus, interpretam sua vida sob a ótica do ressuscitado. Assim, nas falas de Jesus foram inseridas referências a sua própria morte e ressurreição. Filipe e André, bem como seu irmão Pedro, eram de Betsaida, cidade de cultura predominantemente grega, situada ao norte do Mar da Galiléia. Alguns gregos, provavelmente seus conhecidos, se aproximam manifestando o desejo de ver Jesus. Evidencia-se como os gregos se interessaram em participar da vida que ele comunica. É o testemunho de que existiam comunidades de discípulos de Jesus no mundo gentílico, fora da influência do judaísmo.
Jesus afirma que chegou a hora da sua glorificação. É a glória do Filho do homem (o humano), e não do messias poderoso. A glória de Jesus é sua missão levada até o fim com os frutos do anúncio e a comunicação da vida eterna ("salvação eterna", conforme a teologia sacrifical da carta aos hebreus - segunda leitura) a todos os povos, sem restrições étnicas, nacionalistas, ou de particularidades religiosas.
Os discípulos são convidados a dedicar a vida a esta missão do anúncio da esperança e à comunicação de amor e vida, que é a glória de Deus. A "lei no coração" anunciada por Jeremias (primeira leitura) é o mandamento do amor comunicado por Jesus, que une a todos e traz a paz.