O Papa que não se esconde

Bento XVI surpreende e decide falar abertamente sobre temas tabus na Igreja Católica, como camisinha, homossexualidade e renúncia papal
Revista ISTOÉ
SINAL
Em 2006, o papa encomendou estudo para cientistas e
teólogos sobre o uso da camisinha entre soropositivos SINAL
Em 2006, o papa encomendou estudo para cientistas e
teólogos sobre o uso da camisinha entre soropositivos

Bento XVI decidiu encarar de frente os temas da atualidade. Apesar de manter seu característico tom conservador, o papa discorreu aberta e amplamente sobre assuntos tão espinhosos para a Igreja Católica quanto contemporâneos, como homossexualidade (dentro e fora da Igreja), pedofilia (na Igreja), celibato e até renúncia papal. E surpreendeu por declarar-se mais flexível em relação ao uso da camisinha, mesmo que em situações específicas – no caso, quando o objetivo é evitar a transmissão da Aids. A visão do papa sobre tais questões está no livro “Light of the World: The Pope, the Church and the Signs of the Times” (Luz do Mundo: O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos), lançado na terça-feira 23, no Vaticano. Disponível em alemão, italiano, inglês e francês, o livro é o resultado de 20 horas de entrevista do pontífice ao jornalista alemão Peter Seewald, seu amigo, numa versão, segundo o autor, sem cortes. “O papa não é um ditador, mas um homem de diálogo que não fugiu de nenhuma questão ou censurou trechos de sua longa entrevista”, disse Seewald.

Ao falar sobre a camisinha, Bento XVI se tornou o primeiro papa a se mostrar flexível sobre o uso do preservativo, mesmo que numa situação específica. Até então, ele se declarava totalmente contrário, como defende a Igreja Católica. Esta posição era considerada irresponsável por diversos segmentos da sociedade em tempos de epidemia do vírus HIV. “Trata-se de um primeiro passo na direção de uma moralização, de uma tomada de responsabilidade, mas não é realmente a maneira certa de enfrentar o mal da contaminação da Aids”, disse o pontífice. No livro, ele afirma que o uso da camisinha é aceitável para esse fim no caso de garotos de programa. Na última semana, no entanto, um porta-voz do Vaticano disse que a declaração do papa vale para todos: homens e mulheres heterossexuais, homossexuais e transexuais. O veto ao preservativo para fins contraceptivos, no entanto, continua. A Igreja Católica acredita que o uso de métodos anticoncepcionais contribui para um estilo de vida amoral e hedonista, o que ajudaria a espalhar a doença. A melhor forma de preveni-la seria uma mudança, ampla e geral, de comportamento. “É como se o papa dissesse ‘usar a camisinha é menos mal do que contaminar o próximo’”, analisa o teólogo padre Márcio Fabri dos Anjos.

“O papa não é um ditador, mas um homem de diálogo que não fugiu de nenhuma questão ou censurou trechos de sua longa entrevista” Peter Seewald, autor do livro Luz do Mundo


De acordo com o Vaticano, as declarações do papa representam opiniões pessoais dele. Afinal, vieram a público através de uma entrevista, não de documentos oficiais. “Com a entrevista, ele quis dizer que, em certas áreas, a Igreja é opinativa. E, é claro, sinalizou que tais modelos merecem revisões”, diz padre Márcio. De qualquer forma, a visão atual de Bento XVI foi recebida com alívio por ativistas antiaids. “É uma boa notícia e um bom começo para nós”, disse Margaret Chan, diretora da Organização Mundial da Saúde.

Ainda no livro, cujas entrevistas foram feitas ao longo do último ano, o papa comentou os escândalos envolvendo padres pedófilos. Quatro dias antes do lançamento, em reunião com 150 cardeais de todo o mundo no Vaticano, ele havia falado pela primeira vez abertamente sobre o tema e pediu punição aos culpados. Na publicação o pontífice também não se furtou a abordar a homossexualidade e o celibato e demonstrou preocupação com homossexuais que procuram o sacerdócio com o objetivo de acalmar “as suas tendências” (leia quadro).

Mas o que teria motivado Bento XVI a abrir o verbo neste momento? Estudiosos acreditam que a sua última visita à África, em abril do ano passado, foi a gota d’água. O continente é o mais atingido pela Aids (em Botsuana, onde a epidemia é mais grave, 40% dos adultos são soropositivos) e foi o cerne de uma polêmica envolvendo o pontífice. Durante a viagem, o papa disse que a camisinha agrava a Aids e sofreu represálias. Foi, inclusive, acusado de viver “numa situação de total autismo” pelo ex-primeiro-ministro francês Alain Juppé. Porém, apesar de só agora tornar público o seu ponto de vista, Bento XVI já buscava informações e se preparava para flexibilizar o discurso sobre o preservativo há pelo menos quatro anos. Em 2006, o ministro da Saúde da Santa Sé, cardeal Javier Lozano Barragán, anunciou que o Vaticano elaborava um documento sobre o uso de camisinha por portadores do vírus HIV. Na época, ele declarou que o estudo, realizado por cientistas e teólogos, era uma encomenda do papa.

A antropóloga e pesquisadora do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Regina Novaes, explica que, de tempos em tempos, a Igreja precisa se atualizar. “É como se fosse chamada a se posicionar”, diz Regina. “Isso permite que ela se renove.” A antropóloga lembra que a Igreja já fez isso algumas vezes, como quando admitiu sua parcela de culpa em relação ao nazismo. “Numa época em que a Igreja Católica perde fiéis muitas vezes por não demonstrar conexão com a realidade, sua capacidade de renovação é fundamental para que se mantenha a instituição milenar que é”, diz Regina.

(1) Comentário

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Como católico praticante, vejo com muita alegria o nosso Papa com mente mais aberta, evitado assim a debandada de irmãos católicos para outras igrejas por causa da nossa intransigência com certos temas polêmicos.
Parabens Papa Bento XVI

 
ALTINO AIRES DA SILVA em 28 de novembro de 2010 às 11:06