Pipa, rabada e música: lembranças de Adriano, direto da Vila Cruzeiro

Atacante volta à comunidade onde foi criado pela primeira vez depois da pacificação e reencontra amigos no campo em que aprendeu a jogar futebol

Do globoesporte.com

Todo imperador tem seu reino. A maioria prefere os terrenos com castelos lotados de ouro, tapetes vermelhos e servos. Do alto de sua hierarquia, olha verticalmente para os outros e pisa em almofadas para não se misturar com a plebe. Mas há um representante da categoria que dispensa qualquer luxo por um par de chinelos, o calor de 35 graus do Rio de Janeiro e uma rabada com angu da dona Natalícia. Seu nome é Adriano, e ele voltou ao lar nesta quarta-feira. Com chegada digna dos reis modernos, em um carro de luxo branco, o jogador do Roma (Itália) arrastou multidões em seu desfile pela Vila Cruzeiro, na primeira vez que voltou à comunidade onde foi criado após a pacificação da área. O exército e os policiais militares ainda rodeavam o local, mas, no lugar de armas e tiroteio, foi o sorriso das crianças ao ver o ídolo tão perto novamente que reinou absoluto na favela.

Adriano é cercado por crianças e amigos na Vila Cruzeiro (Foto: André Durão / Globoesporte.com) Adriano é cercado por crianças e amigos na Vila Cruzeiro (Foto: André Durão / Globoesporte.com)

Uma delas chamou a atenção. Era Ian, de apenas seis anos. Ao lado da mãe e do irmão, o menino soltava uma pipa com o desenho de jogadores da Seleção Brasileira. Tímido, ficou assustado com as cerca de 100 pessoas que cercavam Adriano e não chegou perto do atacante. Mas, com os olhos inocentes de quem ainda nem sabe com o que sonhar direito, balançou a cabeça e disse:

  • Eu quero ser igual a ele.
Ian mostra a pipa que soltava antes de Adriano 
chegar (Foto: André Durão / Globoesporte.com) Ian mostra a pipa que soltava antes de Adriano
chegar (Foto: André Durão / Globoesporte.com)

Ian pode não saber, mas está no caminho certo. As tias do Imperador contam que Adriano também adorava empinar pipa. Segundo Rose e Vanderleia, o jogador perdia a hora até da escola enquanto olhava para o céu em busca do brinquedo.

  • Ele amava ficar soltando pipa aqui nesse campinho mesmo, onde ele aprendeu a jogar futebol. A gente chamava e ele não estava nem aí (risos). Mas quando chegava a hora de ir treinar no Flamengo, nem precisa gritar pelo nome dele. Já estava na porta, todo arrumado, com o uniforme prontinho. Nunca chegava atrasado, nem gostava de faltar – disse Rose.

Assim como Adriano, sua família voltou à Vila Cruzeiro pela primeira vez após a pacificação. Lá, reencontrou amigos de velha data, que conheceram o Imperador ainda sem cedro, na época da pipa e dos shorts curtos, que não cabiam nas longas pernas. Personagens que apenas puderam andar tranquilamente pelas ruas da favela há três semanas, quando as forças armadas tiraram os traficantes de drogas do local.

  • Vi mudanças grandes aqui dentro. A comunidade está em paz, será uma nova etapa na vida de todos. Espero que possam aproveitar esta chance que o governo está dando. É bom ver as crianças felizes – disse o Imperador.
Adriano entrega cestas básicas para moradores na Vila Cruzeiro (Foto: André Durão / Globoesporte.com) Adriano entrega cestas básicas para moradores na Vila Cruzeiro (Foto: André Durão / Globoesporte.com)

Corrida para os quitutes de dona Natalícia

Adriano realmente estava em casa. Nesta quarta-feira, quando foi inaugurar o projeto social Imperadores da Vila, foi cercado por moradores e amigos, que queriam abraça-lo e tirar fotos. O calor estava aumentando, mas o jogador não deixou de atender ninguém. Sem cerimônia, tirou a camisa e continuou no meio da rua. Dentro da multidão, conseguiu avistar um rosto conhecido e fez um sinal com os dedos, para indicar que falaria depois. A destinatária era dona Natalícia. Foi na cozinha dela que ele saboreou um dos pratos mais típicos do Brasil antes de ir jogar em Roma.

  • Ele foi lá em casa comer rabada com angu. Adora, sempre come. Também gosta de feijoada, risoto. Faço tudo para ele. Sou amiga da família há mais de 50 anos – contou dona Natalícia.
Letícia mostra a foto que tirou com o ídolo, em 2007
(Foto: André Durão / Globoesporte.com) Letícia mostra a foto que tirou com o ídolo, em 2007
(Foto: André Durão / Globoesporte.com)

Teve até gente com ciúme da simpática senhora. Letícia Maiara, de 15 anos, é fã do Imperador. Mas não necessariamente por sua habilidade dentro de campo. A adolescente prefere outras qualidades.

  • Ele é lindo. Olha isso aqui (mostra foto que tirou com ele). Ele estava aqui em um churrasco. Pedi para tirar a foto e levantou na hora. Muito gente boa. Só acho que poderia jogar no Fluminense. Seria melhor – pediu a tricolor.

A poucos metros dali, um senhor mexia com a cabeça sempre que ouvia o nome Adriano. Tuninho Tropical costumava jogar bola com o pai do jogador, o Mirinho, e viu o Imperador crescer. O orgulho do “filho do Ordem”, como o chamou, devido ao nome do campo onde chutou as primeiras bolas, era tão grande, que virou música.

  • Escrevi Adriano Imperador. Contei a história dele, desde a Vila até a Itália. É mais ou menos assim: “Alô, galera, pode gritar. Adriano tá na área, vai balançar” – cantou.

Meninos ‘esnobam’ o Imperador

Apesar de ser idolatrado na comunidade, Adriano tem quem não goste dele. Verdade que mais por sentir falta de sua presença na favela do que propriamente por desgosto, mas, na opinião do xará Adriano Júnior e Roger da Silva, tem gente com preferência para ser escalada no Flamengo.

Meninos preferem Ronaldinho Gaúcho no Fla
(Foto: André Durão / Globoesporte.com) Meninos preferem Ronaldinho Gaúcho no Fla
(Foto: André Durão / Globoesporte.com)
  • Ele quase nunca vem para cá. Ah, queríamos que ele morasse aqui de novo, poxa. Não é que não gostamos dele, mas preferimos o Ronaldinho Gaúcho. Esse, sim, poderia vir para o Mengão – disse Adriano, de 15 anos, com um sorriso de menino no rosto.

A afirmação não foi aprovada por Cléia da Silva. Para a jovem, Adriano sempre será bem-vindo na Vila Cruzeiro. É ela quem conta sobre a festa da comunidade toda vez que o Imperador chega.

  • Quando ele faz gol no campinho onde aprendeu a jogar, soltam até fogos de artifício.

A comemoração, no entanto, terá seus dias contados. Adriano confirmou que voltará a Roma para defender o clube italiano e não poderá mais visitar a favela com tanta frequência. Nada que impeça a adoração dos moradores pelo jogador. Na Vila Cruzeiro, sempre haverá lugar para o eterno Imperador.


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