A Igreja Católica e o boicote ao Mato Grosso do Sul

Sonhar mais um sonho (im)possível:

O anúncio dos primeiros Jogos Mundiais dos Povos Indígenas em Palmas, me fez sonhar mais uma vez. Sonhar com um mundo de paz, em que as diferenças sejam respeitadas e os direitos das pessoas garantidos. Infelizmente, em nosso Estado, os ânimos estão cada vez mais acirrados. A insegurança jurídica continua gerando conflitos entre produtores rurais e comunidades indígenas. Recentemente foi aberta, na Assembleia Legislativa, uma CPI, visando investigar se o Conselho Indigenista Missionário – CIMI – não seria responsável por instigar os índios para uma retomada de terras que consideram suas. Poucos dias depois, foi aprovada outra CPI, chamada do Genocídio, para apurar “ação/omissão do Estado do Mato Grosso do Sul nos casos de violência praticados contra os povos indígenas no período de 2000 a 2015”.

O teor das discussões e manifestações até agora divulgadas mostra bem o clima subjacente às CPIs. No fundo, ambas são iniciativas extremas diante da inércia do Poder Público, sobretudo Federal, em resolver uma pendência constitucional que já se arrasta por décadas.

Tenho entabulado conversas com vários segmentos da sociedade sobre essa problemática: meus irmãos Bispos, Deputados, Ministério Público, produtores rurais de diversas procedências, movimentos sociais e sindicais com a presença de representantes indígenas ou indigenistas, autoridades em nível estadual e federal... O que percebo é uma revolta crescente, uma paciência já nos limites, particularmente entre índios e produtores rurais, todos ansiando por uma solução que nunca chega.

No dia 7 de outubro foi realizado um Ato Ecumênico na Assembleia Legislativa, com a presença de representantes de várias Igrejas Cristãs e de outros organismos de diálogo e serviço, movimentos sociais e sindicais e centenas de índios de várias partes do Estado. Na ocasião, foram ventiladas expressões, a meu ver, desastrosas, como: “A carne e a soja do Mato Grosso do Sul estão manchadas com o sangue de crianças indígenas”. Foi anunciado, com base a esse slogan, um boicote à produção pecuária e agrícola do Estado, que já contaria com o apoio de alguns organismos internacionais. É importante dizer que esta não é uma iniciativa da Igreja Católica, nem representa a posição dos Bispos do Regional Oeste 1 da CNBB, que abrange todo o MS.

A iniciativa só vem lançar mais lenha na fogueira. Em primeiro lugar, porque ela é injusta. São centenas os produtores rurais no Estado que nada têm a ver com os conflitos, já que sequer moram ou trabalham em áreas marcadas pela presença indígena. Conheço vários que, mesmo sofrendo a incerteza jurídica, que persiste por inércia do Poder Público, nunca apelaram para a violência, procurando resolver a questão pela via jurídica. Outros até já me disseram que estão dispostos a entregar suas terras, pedindo apenas a indenização a que têm direito, já que não são invasores. Por outro lado, é inegável a situação de penúria, insegurança e insalubridade em que vivem centenas de índios em várias regiões do Estado, com consequências graves na vida desses povos, num flagrante desrespeito a seus direitos.

Certamente, existem líderes católicos que aderem a esse boicote, mas o fazem em nome próprio, ou de algum organismo que representam, mas não falam em nome da Igreja Católica.

Investigações da parte do Ministério Público, da Polícia Federal ou de outros órgãos de inteligência são muito bem-vindas. Que sejam apuradas as responsabilidades pelas violências e pelo desrespeito às leis, venham de onde vierem. No entanto, repito o que sempre tenho declarado: o verdadeiro culpado não se encontra entre os missionários do CIMI ou na Igreja Católica. A culpa também não está entre os índios, nem entre os produtores rurais. Quem está na raiz de todas essas décadas de violência e de desrespeito pelos direitos básicos da pessoa humana é o Poder Público, particularmente o Federal, único competente na matéria.

Os Jogos Mundiais de Palmas, repito, me fazem sonhar mais uma vez. É possível, ou melhor, é imperativo fazer algo de concreto para que a paz, o respeito pelos direitos e pela justiça sejam assegurados a todos. É urgente que as negociações sejam retomadas, com o envolvimento de todas as partes interessadas. E que Mato Grosso do Sul nunca deixe de ser uma “Terra de Deus, Terra de Irmãos” (Campanha da Fraternidade, 1986).

Campo Grande, MS, 28 de outubro de 2015

Dom Dimas Lara Barbosa

Arcebispo de Campo Grande - MS

Presidente do Regional Oeste 1 da CNBB


(3) Comentários

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Com relação aos líderes católicos que aderem ao boicote, se utilizarem de ministério ou do altar para fazê-lo, o Bispo deverá intervir energicamente.
Bispo, nossas paróquias precisam do senhor.
Esse ano a nossa recebeu dinheiro e divulgou político envolvido em corrupção.
E as festas com bebida. A maioria dos padres fez pouco caso da carta do bispo. Vamos esperar ter mais morte como a de Sidrolândi

 
Junior Souza em 29 de outubro de 2015 às 18:45

Países como EUA defendem com unhas e dentes a preservação e questões indígenas, DESDE que seja feita FORA dos EUA. Vale a pena pensar. Todo lobby é ruim, já dizia o Papa Francisco.
Mas concordo com o Dom Dimas que diz que o principal culpado é o Estado por não resolver logo esse problema da maneira como deve ser resolvido.

 
Junior Souza em 29 de outubro de 2015 às 18:32

Vale ressaltar que existe um grande interesse internacional na questão indígena. Pois com mais demarcações, o país se tornará menos produtivo e sendo menos produtivo certamente é melhor para países concorrentes do Brasil. Não estou me referindo em específico a ONG citada, mas podem perceber que a maior parte das ONGs de preservação internacionais, não fazem nada em seus próprios países.

 
Junior Souza em 29 de outubro de 2015 às 18:28