03/03/2020 10h18

"Cuida dele" – o remédio

Dom Walmor Oliveira de Azevedo - `residente da CNBB

O tempo da Quaresma, por seus quarenta dias, é uma delicadeza de Deus. Profecia que ressoa no coração da humanidade, pela voz da Igreja Católica, com sua liturgia de rica tradição e guardiã de tesouros de sabedoria e interpelações. Desafia a sociedade, sensibilizando corações a se empenhar por um tempo novo de justiça e paz.

A Igreja Católica no Brasil, há 56 anos, a partir de sua Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), enriquece o caminho quaresmal com interpelações proféticas e indispensáveis à realidade brasileira, que geme de morte e clama por novas dinâmicas, práticas solidárias e urgentes remédios. A Campanha da Fraternidade convida os cristãos a caminhar, no tempo de seu viver, revestidos da cidadania do Reino de Deus. Isso exige marcar a cidadania civil com as feições do Reino de Deus.  Compreende-se, assim, de onde vem a exigência de conversão pessoal e cidadã comprometida com transformações urgentes e inadiáveis, debelando os cenários vergonhosos de miséria, pobrezas, extermínios, corrupções e manipulações políticas.

A Igreja Católica não se ilude com projetos de poder político-partidário. Não mistura o que requer distinções. Age por uma intrínseca exigência profética, pela luz e pela força do Evangelho de Jesus Cristo, para ajudar a sociedade, a partir da experiência autêntica e comprometida de fé. Contribui para que todos reconheçam o remédio capaz de curar males e enfermidades que adoecem a humanidade: a lição do cuidado. Aprendizado que arranca indivíduos, instâncias e instituições da mesmice egocêntrica, desdobrada em ganância, nas indiferenças e nas superficialidades de escolhas para o viver – frutos das relativizações responsáveis pelo aumento das violências, dos suicídios, do esvaziamento da mente que atinge representantes do povo, governantes e líderes de diferentes segmentos, religiosos, culturais, educativos e tantos outros. 

A interpelação, "Cuida dele, o remédio", vem da sábia e magistral indicação do coração de Jesus, na parábola do Bom Samaritano, para responder, de modo assertivo e completo, à pergunta que deve ecoar no coração de cada pessoa: quem é o seu próximo?  Respondê-la adequadamente é o passo fundamental para que a sociedade brasileira consiga colocar a vida em primeiro lugar. Ainda que sejam reconhecidos sinais de esperança em atitudes cidadãs, em projetos e programas envolvendo instituições e instâncias, diferentes cenários trazem exigências e urgências muito grandes e complexas. Pedem novas posturas e atitudes capazes de gerar transformações urgentes – nenhum cidadão pode se conformar, contentando-se com mediocridades.

Há muito que fazer. Basta pensar que a desigualdade é um distintivo inaceitável da sociedade brasileira, consequência de dinâmicas autodestrutivas que atacam o meio ambiente, a exemplo do desarvoro e descontrole da mineração predatória. Faltam mais compreensão e recursos humanísticos aos grandes líderes para que possam pensar adequadamente e contribuir para o fortalecimento, para a qualificação das instituições democráticas, ao invés de enfraquecê-las com ataques figadais. Sem lucidez, estão em risco patrimônios humanos, religiosos e culturais, necessários para que a sociedade avance e não se feche em estreitezas. Diferentes estatísticas mostram que a sociedade brasileira precisa mudar. Comprovam a necessidade urgente de um caminho espiritual renovador, diferente daquele que é partidário e estreitado pelo fundamentalismo de um cristianismo torto.

O caminho espiritual renovador é percorrido por uma opção que nasce da capacidade de cuidar dele, do próximo, da Casa Comum e, sobretudo, dos mais pobres e dos indefesos. Assim, a Campanha da Fraternidade neste ano, no horizonte interpelante do tempo Quaresmal – convite à conversão e às mudanças de rumos, em favor da vida – interpela cada pessoa a acolher o chamado: "Cuida dele!". Trata-se de eficaz remédio para corrigir descompassos. A adoção das dinâmicas simples e ao mesmo tempo abrangentes dessa indicação evangélica contribuirá para que a sociedade supere violências e extermínios, indiferenças e ganâncias, impulsionando os diálogos, os entendimentos cidadãos e a democracia, urgências deste tempo.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB) Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB)

Cuidar do próximo é espiritualidade com força para qualificar a cidadania, no horizonte da compreensão de que a vida é dom e compromisso. Urge-se uma envergadura humana e espiritual em cada pessoa, para que o cuidado com o semelhante inspire ações, tarefas e atuação em todos os âmbitos. Projeta-se, nesse horizonte de interpelação, a figura admirável de Santa Dulce dos Pobres, mulher fisicamente frágil, gigante na envergadura moral, espiritual e humana, com força para criar e perpetuar serviços transformadores, por ser fiel discípula de Jesus, por acolher, amorosamente, a mística do remédio que está no convite-convocação, ao olhar o meio ambiente, a comunidade de fé, a própria família, os pobres, o próximo: "Cuida dele!".

Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB)


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