Veteranos de 62 apostam na geração Neymar em nova final com Penarol
Pepe e Coutinho relembram decisão da primeira Libertadores conquistada pelo Peixe, há 49 anos, e acreditam que, dessa vez, não será tão confuso
Do globoesporte.com
O Santos tomou a América de assalto no início dos anos 60. Um esquadrão memorável, comandado por Pelé, que tinha como escudeiros craques do nível de Zito, Coutinho, Pepe, entre outros, transformou o Peixe num time conhecido mundialmente. A camisa branca tornou-se símbolo de futebol mágico nos quatro cantos do planeta bola. Essa fama começou a ser construída em 1962, quando a máquina alvinegra conquistou sua primeira Taça Libertadores. Em uma decisão em três jogos, superou o Peñarol, que havia vencido as duas primeiras edições da competição. Agora, 49 anos depois, o Santos volta a encontrar os uruguaios na decisão do título mais cobiçado pelo continente.
Para relembrar aqueles três jogos memoráveis e falar sobre a decisão das duas próximas quartas-feiras, o GLOBOESPORTE.COM conversou com duas lendas vivas, não só da história santista, mas do futebol brasileiro: Pepe e Coutinho, que formaram com Dorval, Mengálvio e Pelé uma linha de ataque que aterrorizava adversários mundo afora. Ambos apostam suas fichas na nova geração. Acreditam que o Peixe será tricampeão continental, mas não admitem comparações entre o time de Neymar e o de Pelé.
Coutinho principalmente. O ex-atacante, hoje com 68 anos, afirma ser uma heresia querer estabelecer qualquer parâmetro de comparação entre as duas gerações. Ele admite que o time atual seja bom, afirma que Neymar é acima da média, mas acredita que a equipe da qual fez parte não será igualada.
- Eu acredito que o Santos conseguirá o título porque é mais time que o Peñarol. Tem mais talento. Agora, a nossa equipe vencia todo mundo. Ia à Europa e derrotava grandes como Milan, Benfica, Inter de Milão. Jogamos juntos muitos anos e só não ganhamos mais Libertadores porque não quisemos. Hoje em dia não tem isso - diz.
O ex-jogador lembra que, quando o Santos conquistou a Taça Libertadores pela primeira vez (venceria novamente em 1963, diante do Boca Juniors), a competição estava apenas no início. A edição de 1962 foi apenas a terceira. Não havia nenhum tipo de compensação financeira. As viagens eram mais desgastantes, os jogos muito mais violentos.
- Quando ganhamos a Libertadores, encarei como algo corriqueiro. Nós conquistávamos tantos títulos que, para mim, aquele havia sido mais um. Claro que, com o decorrer dos anos, percebemos o quanto foi importante. Mas na ocasião não era. Tanto que depois de 63, o clube preferiu não jogar mais a competição. Para o Santos, era mais interessante excursionar pela Europa. Dava muito mais dinheiro. Não compensava sair jogando pela América do Sul, encarando adversários violentos, com campos ruins, sem ganhar nada. Se nós tivéssemos continuado jogando a Libertadores a sério, teríamos vencido em 64, 65...
Pepe concorda. Vê o Peixe atual com qualidade superior à da equipe uruguaia. Aposta no tri, mas não acha certo comparar gerações. Afirma, inclusive, que o time do Peñarol dos anos 60 era infinitamente superior ao atual.
- Nosso time era muito forte, jogava por música. Mas eles também tinham craques como Pedro Rocha, Spencer. Era um confronto bem equilibrado. Hoje as coisas são diferentes. Há um certo nivelamento, mas acredito que o Santos é mais time, tem melhores jogadores. Embora o Peñarol tenha demonstrado nessa Libertadores uma força muito grande na marcação, ainda acho que o Santos vai levar a melhor.
A NOITE DA GARRAFADA
Pepe e Coutinho lembram de muitos detalhes dos três jogos decisivos de 1962. Pelé estava lesionado e o Santos teria de se virar sem o Rei. A princípio, a decisão seria em dois jogos. No primeiro, dia 28 de julho, no estádio Centenário, em Montevidéu, vitória santista por 2 a 1, dois gols de Coutinho. O equatoriano Spencer marcou para os uruguaios.
O jogo de volta foi marcado para 2 de agosto, na Vila Belmiro. O Peixe precisava de um empate para ser campeão. O Peñarol, que estava no prejuízo, abriu o placar aos 18 minutos, com Spencer. Dorval empatou três minutos depois. Aos 35, Mengálvio chutou de fora da área e virou: 2 a 1. No início do segundo tempo, Spencer, mais uma vez, marcou, completando cobrança de escanteio, e deixou tudo igual.
Nesse momento, o goleiro santista Gilmar reclamou que Sasía havia jogado terra em seus olhos. Disse que o árbitro chileno Carlos Robles viu e ignorou. Na confusão, uma garrafa foi arremessada da arquibancada e acertou o auxiliar Massaro. O bandeirinha saiu e teve de ser medicado. Após longa paralisação, o jogo foi reiniciado. Em seguida, o Peñarol fez o terceiro, com Sasía. Nova confusão. Os santistas partiram para cima do juiz, alegando que, antes do gol, o zagueiro Calvet havia sofrido falta. Houve empurra-empurra, discussões e, mais uma vez, o jogo teve de ser interrompido.
Após o reinício, Pagão empatou a partida. O juiz, temendo novas confusões, encerrou o confronto bem antes dos 45 minutos do segundo tempo. Com o empate, o Peixe era campeão. Ou não.
- Nós comemoramos o título. A torcida saiu em festa do estádio, todo mundo gritando “é campeão”. Só que o lateral-direito deles, o Lezcano, que estava me marcando, disse: “Pepe, vocês não ganharam o título. O juiz terminou o jogo quando estava 3 a 2 para a gente”. Na hora, não acreditei. Achei que ele estava brincando ou com inveja, sei lá - recorda Pepe.
Demoro para fazer um gol, quando faço, não vale"
_____Pagão, citado por Coutinho
Pois foi exatamente isso. Temendo por sua própria segurança, Carlos Robles determinou o prosseguimento da partida após o terceiro gol do Peñarol, mas apenas de forma “amistosa”. No relatório que entregou à Confederação Sul-Americana, escreveu que os minutos seguintes não deveriam ser levados em conta. O gol de Pagão, portanto, não existiu de forma oficial. Os torcedores santistas só foram saber disso no dia seguinte.
- Brincadeira, né? O Pagão até brincou depois do ocorrido. Disse que demorava tanto para fazer um gol e quando fazia, não valia nada (risos) - comenta Coutinho.
Depois de tamanha confusão, uma terceira partida foi marcada em local neutro: o Monumental de Nuñez, em Buenos Aires, dia 30 de agosto. E o Santos teria Pelé.
- Ficamos entalados com aquela história de precisar fazer mais um jogo. Mas tudo bem. Falei para o pessoal: vamos resolver logo. E foi isso. Lá na Argentina, fizemos 3 a 0 neles que era para não ter dúvida - recorda Coutinho.
Pelé fez dois gols. O terceiro foi de Caetano, contra.
- E o Santos conquistava sua primeira Taça Libertadores. Foi duro, houve confusão, mas fomos campeões. Espero que agora seja bem mais tranquilo - torce Pepe.